Antonio Candido — Anotações Finais
- Alexandre Coslei
- 11 de out. de 2024
- 2 min de leitura

Esta semana fui assistir ao documentário “Anotações Finais”, sobre o Antonio Candido. Confesso que passo por uma fase em que vou pouco ao cinema, se comparar com a minha assiduidade de anos atrás. Acomodei-me no streaming, mas certas obras motivam a minha preguiça paquidérmica a se mover e entrar numa sala de projeção.
De cara, impressionou-me a obsessão de Antonio Candido em descrever a degradação do corpo com o avançar da idade diante da lucidez que insistia em permanecer ativa. As pernas pesadas, o cansaço, as dores, a incapacidade de manter o ritmo das caminhadas, perceber as crescentes limitações físicas o atormentava. Nessas pormenorizadas descrições da sua própria deterioração, o velho crítico mostra a sua angústia e consegue nos afligir ao nos fazer encarar o inevitável.
A centralidade da relação com a esposa Gilda permeia todo o documentário, que é baseado nas anotações dos dois últimos volumes de uma série de caderno que Candido cultivava desde a juventude. Ao eleger o casamento com Gilda o fato mais importante de sua vida e as invariáveis demonstrações sobre o peso da ausência dela após o falecimento, compreendemos como essa união afetiva foi a viga basilar da estabilidade que construiu o intelectual.
Há uma cena focada em duas poltronas, Antonio Candido conta que ele e a esposa se sentavam ali, que muitas vezes se comunicavam mesmo pelo silêncio e aqueles momentos eram profundamente reconfortantes. A narrativa lembrou-me último capítulo de “Memorial de Aires”, de Machado de Assis. Na verdade, a relação visceral de Antonio Candido com a esposa me trouxe à mente a própria relação de Machado com Carolina.
Por falar em Machado, Antonio Candido também fala das obras que impactaram a sua formação e cita Machado de Assis como um dos autores que causaram um profundo impacto psicológico. Cita Guimarães Rosa não apenas como um autor que mexeu com a mente, mas cuja obra causou, inclusive, reações físicas como arrepios e batimentos cardíacos acelerados.
Afirma que se afastou da militância política, porém, por tudo que diz, é fácil compreender que ele não deixou de acompanhá-la, de pensar sobre ela. Comenta sobre o afastamento da presidente Dilma, da putrefação do sistema político e eleitoral brasileiro, supõe que Lula talvez já tivesse cumprido o seu papel histórico sem prever que o mesmo Lula ainda salvaria o país das garras de uma extrema direita fertilizada pela ignorância coletiva.
Saí do cinema com a impressão de que Antonio Candido fez-se e foi um intelectual de uma época que não mais existe, um tempo que desapareceu, corroído pela erosão política e social do país. Uma época que morreu antes de Antonio Candido, que teve uma vida longa, uma longevidade que não pareceu desejar para si. Há um momento em que ele se pergunta se já não deveria ter partido, talvez se sentindo deslocado no tempo em que continuou a existir.
Entre a liberdade e a igualdade, Antonio Candido responde sem pestanejar que no Brasil escolheria a igualdade, pois o cidadão aqui não possui liberdade nem para comer. Cai o pano.
Comments